Charles Bukowski - trechos do Fabulário Geral do Delírio Cotidiano
Fabulário Geral do Delírio Cotidiano é o segundo volume da obra "Ereções, Ejaculações e Exibicionismos", de Charles Bukowski (1920-1994). Depois de "Crônica de um Amor Louco", o velho Buk descreve, nestes mais de trinta contos fortemente autobiográficos, suas desventuras, traumas, amores fracassados e prisões inesperadas. Eis toda a excitação frenética do escritor nascido na Alemanha e emigrado para os Estados Unidos que imortalizou o mundo marginal de Los Angeles, sua cidade de adoção. O olhar estrangeiro-nativo de Bukowski esmiúça o lado negro do sonho americano – e revela o anti-sonho –, um mundo de marginais, viciados, bêbados e prostitutas, dos quais só não se pode dizer que estão na sarjeta porque sempre decaem um pouco mais. São pessoas tal qual na vida real, retratadas de forma triste, divertida, escatológica e universal, em toda sua vulgaridade e realidade.
Veja alguns trechos do livro, separados pelo blog Silêncios Desenhados:
“A gente começa a salvar a humanidade salvando uma pessoa de cada vez, todo o resto é delírio romântico ou político.”
“Quanto a mim, as corridas de cavalo revelam logo onde sou fraco e onde sou forte, como estou me sentindo naquele dia e como a gente muda, o tempo TODO, e o pouco se sabe a respeito disso.”
“... antes da existência irreal e estilizadora do sugador cerebral da televisão, eu trabalhava como empacotador numa fábrica gigantesca, que produzia milhares de luminárias para cegar o mundo e, sabendo como as bibliotecas são inúteis e os poetas eternos queixosos farsantes, fazia meus estudos nos bares e lutas de boxe.”
“... e ai nós rimos, rimos, mas rimos tanto, tanto, que puta merda, até pensei que tínhamos enlouquecido. E então tive que me levantar, me vestir, pentear o cabelo, escovar os dentes, nauseado demais para comer, senti ânsias de vômito quando escovei os dentes, sai pra rua e caminhei em direção da fábrica de luminárias; só o sol se sentia bem, mas a gente tinha que se conformar com o que tinha.”
“Puta merda, será que você não entende? – disse pro editor- não gosto de drogarias! não gosto de ficar esperando nessas sorveterias que tem nelas. A gente fica ali sentado olhando pro mármore daquele balcão circular esperando pra ser atendido, passa uma formiga, ou então um inseto qualquer tá morrendo ali, na frente da gente, com uma asa ainda mexendo e a outra parada. Ninguém te conhece. Duas ou três pessoas de cara obtusa e paciente ficam olhando pra cara da gente. Ai surge, enfim, a garçonete. Não seria capaz de deixar a gente cheirar o fedor da calcinha dela, e no entanto é medonha de feia e nem sabe. Anota, com a maior má vontade o pedido que se faz. Uma coca. A bebida vem num copo de papel morno e dobrado. Da pra perder o ânimo, mas a gente bebe. O inseto continua vivo. O ônibus não tem jeito de chegar. O mármore da sorveteria está coberto de pó pegajoso. É tudo uma farsa, será que não entende? Se você vai na cigarraria e tenta comprar um maço, passam cinco minutos antes de alguém aparecer. A gente se sente violentado nove vezes antes de sair de lá.”
“Quando já se está quase sem alma e se tem consciência disso, é porque ainda se existe.”
“Tinha a impressão de que todo mundo estava me vendo e, também, uma sensação esquisita de vergonha. De ser culpado, uma bosta, a quem faltava qualquer coisa, feito formiga mijada ou bala de metralhadora que não acerta o alvo.”
“Quando a gente pensa que chegou ao fundo do poço sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão.”
“Estranho: volta e meia deixar de foder é melhor que foder. Apesar de que posso estar enganado. Em geral dizem que estou”
“Só sei que há uma porção de revolucionários por ai que são umas verdadeiras bestas e, o que é pior, chatos, mas chatos a mais não poder, cara, não quero dizer que não se deve ajudar os pobres, educar quem nunca teve instrução, hospitalizar quem vive doente e por ai a fora. O que eu quero dizer é que a gente está tratando esses revolucionários como se fossem santos, quando têm muitos que não passam de pobres diabos, com problemas de espinha na pele abandonados pelas mulheres e com essa porra de simbolozinhos da Paz pendurados por uma corda no pescoço. Há vários que são meros oportunistas e que fariam melhor em ir trabalhar pra fabrica Ford. Se ali conseguiriam pistolão pra entrar lá. Não quero saber de mudar de governo e ir de mal a pior – que é o que se tem feito em cada eleição,”
“–ganhando ou perdendo, vai acabar mesmo. E como uma porção de coisas boas e ruins. A história da humanidade é muito lenta. Eu, por mim, prefiro assistir de camarote.”
“... os bolsões de miséria vivem cheios de desiludidos e rejeitados; os pobres morrem em enfermarias de indigentes, em meio a falta de médicos; as penitenciarias estão tão apinhadas de criminosos desequilibrados e irrecuperáveis que os beliches nem dão conta e os presidiários têm que dormir no chão. Obter alívio é um ato de misericórdia que nem sempre dura e os hospícios tem paredes acolchoadas por causa de uma sociedade que usa as pessoas como se fossem peões de uma partida de xadrez...”
“É agradável pra caralho ser intelectual ou escritor e ficar observando essas amenidades, desde que não seja o nosso PROPRIO rabo que esteja em jogo. Esta é UMA das coisas erradas com os intelectuais e escritores – não sentem porra nenhuma, a não ser quando se trata da própria comodidade ou da própria dor. O que é perfeitamente normal mas não deixa de ser bandalheira.”
“Literatura é que nem mulher; quando não presta nem vale a pena perder tempo.”
“O mundo me roubou muitas horas e anos com suas ocupações chatas e rotineiras; se nota. Sinto vergonha do meu fracasso; não por causa do dinheiro dele, do meu fracasso. O melhor revolucionário é o pobre; não sou nem isso, estou apenas cansado. O balde de fezes que me coube! Espelho, espelho meu...”
“Saio pra caminhar um pouco. Dou duas voltas no quarteirão, encontro duzentas pessoas e não vejo nenhuma criatura humana.”
“Tinha capacidade de rir de si mesmo, o que as vezes é sinal de grandeza ou pelo menos de que se pode alimentar a esperança de que venha a ser algo mais que um simples e pretencioso cagalhão intelectual.”
“As pessoas insistem em se meter com o que não tem nada a ver. Quando se dá um passo, é preciso calcular as consequências.”
"O garoto me olha como se eu fosse uma espécie de covarde cagão. E sou”
“O garoto acorda lá pelas nove e meia da manhã. Não entendo esses tipos de madrugadores. Sempre achei que só um imbecil irrecuperável se acorda antes do meio.”
“Estudante universitário até que é legal. Só faz questão de um troço – que não se minta deliberadamente para ele. Acho justo.”
“_Você aconselharia alguém a ser escritor? _ Tá querendo me gozar? – retruquei. _ Não, não, falo sério. Aconselharia, como carreira? _ Escritor já nasce feito, não é conselho que vai resolver.”
“Sempre fui solitário. Você vai me desculpar, creio que não regulo bem da cabeça, mas a verdade é que, se não fosse por uma ou outra trepadinha legal, não me faria a mínima diferença se todas as pessoas do mundo morressem. É, sei que essa não é uma atitude muito simpática. Mas ficaria todo refestelado aqui dentro do meu caracol. Afinal de contas, foram essas pessoas que me tornaram infeliz.”
"Levantar da cama. Sempre tive ódio disso. Vivia afirmando: 'As duas maiores invenções da humanidade foram a cama e a bomba atômica; não saindo da primeira, a gente se salva, e, soltando a segunda, se acaba com tudo'."
“havia meia dúzia de ricos no bar. Não pareciam preocupados, mas tinham aquela expressão morta, característica dos ricos, quando não precisam mais lutar e não encontram nada para substituir - nenhum interesse, apenas continuando a ser ricos. Pobres-diabos. É, ha, hahaha, há.”
“... só o sol se sentia bem. Mas a gente tinha que se conformar com o que tinha.”
“dizem que não se deve confiar em ninguém com mais de trinta anos e, sob o ponto de vista percentual a recomendação se justifica - a maioria, nessa idade já se vendeu. De modo que, em certo sentido, como posso confiar em alguém com menos de trinta? Uma vez que é bem provável que termine se vendendo?”
“As pessoas embruteceram, ficaram irresponsáveis - uma gente de pedra.”
“O mundo tá cansado. O fim não deve tardar.”
“Senti as lágrimas escorrendo no rosto, arrastando-se feito coisas insensatas e pesadas, sem pernas. Estava louco. Devia estar realmente louco.”
“É muito raro encontrar almas livres, mas logo se vê quando são.”
“Todo pessoal de Los Angeles anda fazendo isto: correndo com o rabo feito doido, em busca de uma coisa que não existe. No fundo, não passa de medo de ficar sozinho. O medo que eu sinto é da multidão, dessa turma que anda correndo com o rabo feito doido; dessa gente que lê Norman Mailer, vai aos jogos de beisebol, corta e rega o gramado das casas e se curva no jardim, de pazinha na mão.”
[Charles Bukowski em Fabulário Geral do Delírio Cotidiano]
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